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MUNDO 

É com grande prazer que apresento a você a minha primeira série de pinturas autoral: MUNDO OCULTO. 

As pinturas que compõem essa série foram pensadas e pintadas durante o ano de 2020, durante a pandemia.  

Tanto tempo de introspecção me permitiu olhar a vida, meu legado e minha história através de um novo ponto de vista.

 

Eu era agora uma adulta recém formada em Direito que não fazia a menor ideia do que fazer a seguir. Sabia claro, que queria pintar, mas eu não havia pensado em muito mais além disso. No entanto minha maior questão era:  Se a morte me ceifasse, que história teria contado ao mundo? Como se lembrariam mim?  

Alias, alguém se lembraria de mim? 

Qual o impacto de minhas pinturas na vidas das pessoas? O que aprenderiam com elas? 

Enfim, tudo isso me fez ter vontade de contar minha história e foi o que eu fiz.

E pra que tudo isso não virasse um documentário chato sobre uma artista que poucos conhecem, transformei minhas histórias em pinturas e as ilustrei em pequenos textos que, apesar de contarem minha história, possuem também uma pitada de fantasia. Caso prefira manter a magia e pensar você mesmo nas histórias por trás de cada pintura, fique a vontade pra pular a leitura e faze-lo por si mesmo.

Espero que goste da experiência de passear pela minha vida e de conhecer também meu lado escritora
(que vive há tempo demais dentro de mim).

Boa aventura. 

OCULTO

Pinturas da Série 

A HISTÓRIA

   Meus olhos se abriram e o mundo agora é diferente. Contei a mesma história incontáveis vezes. Uma história pintada em 14 pinos. Houve um tempo em que achei que me quebraria em milhares de pedaços, sem retorno. Em outros tempos pensei que desmontaria e não importava quantas vezes me remendassem eu desmoronaria. Eu estava certa demais sobre estar errada. E eu nunca estive tão errada.

A história começa há quem diria, 14 anos atrás. Estava prestes a completar 12 anos e uma curva acentuada fez mudar todo o rumo da história que eu escrevia para mim. Havia o ballet, paixões adolescentes, lugares que eu gostaria de ir, planos jamais concretizados.

 

A curva se chamava escoliose e eu naquela época pensei ser o fim do mundo. Eu poderia ser partida ao meio, podia me quebrar em milhares de pedaços, eu já podia ver meus pedaços no chão depois de cair um por um em câmera lenta, como um colar de pérolas ao se romper num filme antigo.

 

Correr, dançar?

Nem pensar.

 

Uma queda, um tropeço:

Meus passos se tornaram lentos e atentos.

 

Nenhum tropeço, uma queda, nada de impactos.

Passei a temer abraços apertados.

 

Uma sentença permanecia, não havia cura ou tratamento alternativo. A sentença era uma só desde o início, imutável intacta, sem fuga.

 

Contagem regressiva. E se eu tropeçar? E se eu cair?  E se alguém me empurrar? 

 

O som dos meus passos até a sala de cirurgia era oco, ensurdecedor. Meu coração batia alternadamente em relação aos meus passos de forma que eu não pudesse ouvir nada além do impacto dos meus pés tocando o chão.

 

- Conte até dez.

Um, dois, três, quatro, cinc...

SEIS graus.

 

Minha coluna não poderia ser corrigida completamente, por isso eu agora tinha apenas 6 graus de curvatura, 14 pinos sustentavam minhas vértebras e eu havia crescido dois centímetros nas ultimas cinco horas e meia.

 

Cresci dois centímetros, foi o que gritei aos meus pais e pra quem quisesse ouvir enquanto me levavam ainda na maca para fora da sala de cirurgia.

 

Um recomeço. Um novo rumo para a história

 

Pensei que sairia da bolha, mas ela agora era de titânio e lacrada por 14 pinos. Antes eu era feita de uma curva em C, agora eu não me curvava. Uma cicatriz perpassava toda minha coluna, um lembrete da historia que vivi até ali.

 

Ouvi o tilintar do pincel na beira do copo com água, o pigmento de desprendeu e formas vermelhas foram criadas. Eu observei o movimento do pigmento flutuando na água até quase desaparecer.

 

As cerdas do pincel agora estavam sujas de um vermelho escarlate. O pincel percorria o papel numa lentidão que chegava a doer. Um de meus movimentos fez com que uma gota caísse para fora do meu esboço.

 

Parei e olhei fixamente para o papel, paralisada.

 

Mais respingos surgiram dali, manchas quase saíam do papel. Uma gota d’água fez a tinta dispersar rumo às bordas. Eu estava imersa naquele processo interminável.

Depois de algum tempo, parei e observei o que havia criado. 

Uma anatomia um tanto estranha, asas, formas por fazer, milhares de cores.

 

Era o início de um conto.

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pRÓLOGO

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sombras

sombras

sombras

Haverá um dia em que seu grito não será mais mudo.

 

Os demônios que habitam sua casa, sua mente e seu coração há tanto tempo, irão desaparecer como um sopro.

 

Suas lágrimas cairão desta vez por puro alívio, como o despertar que dá fim ao pesadelo.

Haverá um dia em que seus maiores medos serão de sair de casa sem guarda-chuva e pegar um resfriado e do bicho papão que morou debaixo da cama durante toda a infância.

 

Você falará sem culpa sobre seus demônios e se permitirá ser ousada o suficiente para enfrenta-los se quiser.

 

Você não irá mais temer o som de uma voz e uma silhueta na porta e não terá mais problemas em ficar sozinha em casa receando o momento em que os demônios adentrarão as portas sem aviso ou permissão.

 

Haverá um dia em que você será ainda mais forte que ontem, que compreenderá que a vida é mais que um momento ou dois e que superar é um ato de coragem.

metamorfose.png

METAMORFOSE

Mais do que olhar pra uma pintura pronta, olhar pra uma tela em branco sempre me deixava entusiasmada: Nela existiam um milhão de possibilidades.

 

A tinta se espalhou sobre o papel úmido de uma maneira hipnotizante, eu amava apreciar o processo, amava perceber como a tinta se comportava no papel. Cada movimento era sempre inesperado, nenhuma pincelada era planejada. Podia parecer que eu tinha algum controle em relação ao processo, mas isso não era verdade. A tinta agia, se espalhando, acumulando, escorrendo, respingando, e eu reagia tentando guia-la a algum caminho que eu julgava correto, mas nenhuma pintura era igual à outra e eu sempre aprendia algo novo.

 

A arte dia após dia continua me acolhendo, me envolvendo, me ouvindo, me compreendendo e me curando. É como se eu estivesse habitando meu próprio planeta, vivendo num mundo que eu mesma criei. Eu podia caminhar no chão de areia, voar entre as nuvens, e mergulhar no mais profundo oceano. Eu podia falar com pássaros, criar novos seres, inventar novas cores e transformar o que tocava. A arte era o meu grito, meu choro, meu consolo, meu abraço, minha expressão, minha grande paixão e minha paz.

 

A tempestade foi casulo para minha metamorfose, que aliás, acontece mesmo depois da chuva. E a arte...

Bom, a arte é o meu constante bater de asas.

     Todos os dias, tudo o que você vê, ouve, toca, percebe e sente te mudam um pouquinho. Estamos diariamente nos transformando. Nossas experiências nos mudam constantemente, e somos nós que escolhemos se ela nos impactará para o bem ou para o mal e o que faremos a partir disso.

Por um momento achei que eu jamais seria a mesma. No momento seguinte, tive certeza disso. E no próximo eu agradeci por ser uma nova eu.

 

Depois da tempestade o sol sempre brilha no alto, aquece nossa pele e faz a água da chuva evaporar. E é quase como se a tempestade jamais tivesse existido. Mas a tempestade e a chuva são necessárias não apenas pra que as plantas floresçam, mas também pra que exista um equilibro na natureza. O mesmo se aplica às tempestades da vida.

 

Quando achei que tudo estivesse perdido, quando eu só enxergava escuridão, avistei um pequeno feixe de luz e fui guiada por ele. A arte me encontrou em meio à tempestade que fez tudo desabar. Ela me escolheu e me acolheu como uma velha amiga. A arte me salvava dos meus demônios, me permitia dizer qualquer loucura que eu quisesse sem jamais me julgar por isso. Ela me abraçava nas noites mais difíceis, me ensinava diariamente sobre persistência, paciência e, sobretudo, paixão. Era isso que me movia. A vontade de me expressar e pintar historias, tanto a minha própria quanto as que criava, me fizeram continuar ali, fazendo do lápis e dos pincéis meus aliados na jornada da vida.

 

sENTIR

Sentir mesmo que não faça nenhum sentido, mesmo que pareça impossível, mesmo que você não compreenda, mesmo que não seja recíproco.

 

Sentir e explodir, em mil cores, mil aromas, mil línguas...

 

Só sentir.

 

Mesmo que suas mãos não se toquem, que não seja possível se ver dentro dos olhos do outro, mesmo que o tempo e a distancia tornem impossível sentir um cheiro e o sabor de um beijo.

 

Sinta até mesmo o amor proibido e a raiva guardada.

Solte o choro reprimido, liberte sua alma das mágoas passadas.

 

Sinta tudo,

Deixa ela entrar,

Feche a porta,

Não vá embora.

 

E se for preciso, apague tudo, vire a página e

re

comece.

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o NOME DELE

O Nome Dele

Quando fechei os olhos e nos beijamos, temi o fim daquele momento. Pressionei minhas pálpebras com mais força e trouxe seu corpo ainda mais para mim, temendo que você me fugisse os braços ou que não fosse mais você ali.

 

Naquela noite eu não dormi, a historia toda ia e vinha, a aquela altura eu já havia repassado tudo em minha mente até de trás pra frente na vã tentativa de que de alguma forma tudo fizesse sentido. 

Uma partezinha minúscula de mim sabia sobre seu eu oculto, guardada a sete chaves e oito cadeados com muito zelo e cuidado. 

Ela abriu a caixa com tanta calma e delicadeza que eu achei que o que quer que fosse que estivesse ali dentro sairia voando pela menor das gretas.

Mas ao contrário do que pensei nada voou dali. 
O segredo estava envolto de um pano bastante delicado, não era renda mas era repleta de detalhes e texturas cheia de cores que cintilavam. Ao olhar com mais atenção tive certeza que havia cores ali que eu jamais havia visto e que certamente não veria outra vez.  

Ela levantou a coisa cristalina que refletiu a luz do sol, e, por um breve momento, o brilho forte me cegou. A coisa refletia como água e mostrava a verdade recolhida. A luz banhava a garota e mostrava a mim seu eu oculto. Ela desviou o rosto com medo do que eu pensaria ao vê-la. 

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Trouxe seu rosto pra mim e ela fechou os olhos sem me encarar, agora vestida com sua verdadeira face.

Olhei-a com a cautela que ela merecia, observando cada detalhe daquela nova face que eu jamais vira. Seu nariz fazia uma curva tão bonita que eu mal conseguia me conter ao deslizar meus dedos sobre eles com o mesmo entusiasmo de  uma criança num escorregador no parque.

Suas bochechas eram tão doces quanto maçãs recém colhidas, mas os seus olhos eram os mesmos de sempre. Suaves e felizes, escuros como a noite, talvez pelo tempo guardando segredos. 


No entanto, a luz quando refletida em seus olhos os deixava tão claros quanto fosse possível, com cor de amêndoa.

A aquela altura ela não mais se escondia ou temia o que quer que eu fosse dizer. Ao invés disso, ela agora parecia ansiosa pelo que eu diria. Ouvia sua respiração acelerada sendo contida pouco a pouco. 

Observei seus gestos e a maneira como o vento movia seu cabelo escuro que contrastava perfeitamente com a luz que reluzia em sua face com mil cores por vez. 

Toquei novamente seu rosto e sorri sem dizer uma única palavra. 


Ao invés disso, beijei seus lábios mais uma vez. 

Ao beija-la da ultima vez receei abrir os olhos e encontrar alguém que eu não conhecia ou pior, que eu não amava. Temi abrir os olhos e me dar conta de que uma história inteira nunca sequer existiu ou que já não fizesse sentido. 

Mas seus lábios tinham jeito de casa e sabor de saudade. 

Ao abrir os olhos a vi diante de mim, tão linda e graciosa...

 

Perdi o fôlego com aquela visão.

Peguei sua mão e sorri mais uma vez ao vê-las juntas: nossos remendos estavam por fazer assim como nossa história.
Um passo de cada vez pensei comigo.

Mas parece que ela pensava diferente: 
Ela soltou minha mão e saiu correndo pela floresta na minha frente sorrindo e pulando se sentindo mais ela própria do que nunca. Kote o coelho a seguiu sem medo, sabia que ela conhecia o caminho que dava em lugares maravilhosos.

E não me restou outra escolha senão segui-los.

- ME ESPERA!  

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